Actividade Cerebral durante o Sono
Fig. 1: Traçado electroencefalográfico das distintas fases do sono/vigília.
O cérebro e o sono
O cérebro é um órgão essencial à vida humana, que processa e analisa os estímulos que recebe do exterior. Algumas funções do cérebro são (por exemplo):
- Trocas orgânicas, físicas e químicas, onde o cérebro produz energia e hormonas que as distribui e reparte por todo o corpo;
- Coordenar as sensibilidades dos movimentos e faz chegar ao nosso corpo a consciência da imagem exterior;
- Trabalha em conjunto com os outros sistemas.
Apenas desde 1875 que se sabe que existem ondas cerebrais, graças ao amplificador electrónico inventado um alemão chamado H.Berger, este neurofisiologista conseguiu recolher os primeiros registos da actividade cerebral eléctrica em 1927 desenvolvendo assim o electroencefalograma. Este dispositivo permite-nos através de traços observar o registo da actividade eléctrica do cérebro, que são resultado de diferenças de potencial emitidas pelas células nervosas e recolhidas na zona do córtex cerebral.
Durante o sono, o cérebro trabalha arduamente nas diferentes fases do registo, codificação, armazenamento e evocação da memória. Além de cooperar com o sistema imunitário, participa na recuperação de eventuais “lesões” orgânicas do cérebro ou na defesa contra agentes patogénicos. Sabe-se que o cérebro trabalha mais arduamente durante o sono, formando as vias necessárias para a aprendizagem; criando condições para a fixação e retenção das recordações, arquivando-as na memória.
As fases do ciclo cerebral
Após o fechar dos olhos é normal que o nosso ritmo corporal seja alterado. Quando o cérebro tem carência de sono, instala-se num ciclo de actividade que dura cerca de duas horas. Cada ciclo é constituído por três grandes etapas.
1-O Adormecer: Quando o ritmo corporal abranda, o indivíduo tem tendência a bocejar, os músculos relaxam-se, o corpo torna-se pesado, o pescoço flecte-se, e o olhar vira-se para o alto, quando a pálpebra se fecha. O abrandamento provoca o reflexo de nidação.
2-O sono propriamente dito: A fase de sono lento/calmo integra cerca de quatro estados de vinte minutos, no decorrer dos quais o sono se vai tornando cada vez mais profundo. O indivíduo adormecido está particularmente calmo, a sua respiração é regular e os olhos estão inertes sobre as pálpebras. Durante os primeiros vinte minutos pode ouvir e até mesmo responder a apelos. Depois as suas percepções tornam-se turvas, até ao momento em que não ouve nem se lembra de nada.
3-O estado intermédio: Depois da actividade cerebral de sono rápido, que termina com um profundo suspiro, o indivíduo começa a entrar num estado de pré-acordar, onde os olhos começam a distinguir sons e o nariz a reconhecer certos odores e lentamente o indivíduo vai recuperando os vários sentidos ate estar completamente acordado.
Fases do sono
O sono está dividido em dois momentos: o sono REM (“Rapid Eye Movements”) e o sono não REM (“Non-Rapid Eye Movements”) e este é classificado em 4 fases (Fases 1, 2, 3 e 4).
SONO NÃO-REM:
Fase 1:
- Sono leve;
- A pessoa pode ser facilmente acordada por ruídos;
- Movimento lento dos olhos;
- Actividade muscular é mais lenta.
Fase 2:
- Sono menos leve;
- Ausência de movimentos oculares e musculares;
- Relaxamento dos músculos;
- Diminuição da temperatura corporal e dos ritmos cardíacos e respiratórios;
- O cérebro mostra num electroencefalograma (EEG) ondas lentas, embora com surtos ocasionais de ondas rápidas.
Fase 3:
- As ondas do EEG tornam-se ainda mais lentas e, pontualmente, o traçado pode ser preenchido por ondas mais rápidas e pequenas;
- Sono profundo;
- A pessoa é dificilmente acordada.
Fase 4:
- O cérebro produz ondas extremamente lentas de uma forma exclusiva;
- É nesta fase, e em conjunto com a fase 3, que podem ocorrer manifestações de sonambulismo, terrores nocturnos e as crianças podem urinar na cama.
O sono profundo é considerado restaurador, sendo fundamental para a sensação de bem-estar, de repouso e para recolher energia suficiente para todo o dia.
SONO REM:
- Movimento dos olhos é rápido e em várias direcções, com as pálpebras fechadas;
- Respiração rápida, irregular e profunda;
- Pulsação e tensão arterial aumentam;
- Ocorrência de sonhos;
- Os músculos dos braços e das pernas estão paralisados, pelo que não é possível movimentar-se e interferir com os sonhos;
- Esta fase estimula as regiões cerebrais usadas para a aprendizagem e o armazenamento das memórias. Enquanto a informação é processada, o cérebro pode revisitar cenas do próprio dia, associando-as a memórias antigas já arquivadas.
Fisiologia do sono
Durante o sono aumenta, de forma significativa, a frequência de descargas de neurónios, que são maiores do que quando estamos acordados. A cada momento do sono (NREM e REM) o organismo dá várias respostas a nível cardiovascular, endócrino, respiratório, sexual e a nível da temperatura corporal.
Funções Cardiovasculares:
- Diminui a pressão arterial (é durante o sono NREM que se atinge o mínimo da pressão arterial);
- Diminui a frequência cardíaca.
Funções Endócrinas:
- O complexo hipotálamo-hipófise é responsável pela união de processos endócrinos e o sono;
- A secreção de muitas hormonas pode ocorrer em momentos específicos do sono. Por exemplo durante o sono a hormona do crescimento (GH) é libertada na fase 4 do sono NREM (sono profundo).
Mudanças Respiratórias:
- O ritmo respiratório varia durante o sono NREM com hipo e hiperventilação até à fase 2;
- Durante as fases 3 e 4 a respiração é regular;
- No sono REM a respiração torna-se mais rápida e irregular gerando surtos apnéicos e hipoventilação. A apneia em recém-nascidos pode causar a morte súbita.
Funções sexuais:
- Durante o sono ocorrem erecções na mulher (clitoridiana) e no homem (peniana) durante a fase REM.
Temperatura Corporal:
- No sono NREM verifica-se uma regulação automática da temperatura;
- No sono REM o hipotálamo e o sistema cortical estão inactivos, o que faz com que a temperatura corporal nas últimas fases do sono seja baixa.
Ao nível da neurofisiológica sabe-se que os principais eventos que acontecem durante o sono são:
- Deaferentação: este termo significa perda ou desligamento, neste caso das aferências ao sistema nervoso, ou seja, a recepção de informação constante vinda do exterior, deixa de atingir o córtex cerebral e por isso estes estímulos não são sintetizados e deixam de ser percebidas pelo ser humano.
- Perda da consciência: todas as actividades conscientes, como auto-percepção, estado de vigília, estado de alerta, a atenção, o pensamento, a linguagem e a cognição deixam de ser realizadas, precisamente pela mesma razão que leva o córtex cerebral a deixar de funcionar.
Estes dois processos surgem devido à modificação da actividade de uma estrutura cerebral chamada de Formação Reticular Ascendente (FRA). A FRA recebe ligações enviadas por todos os sistemas sensoriais do nosso cérebro, de maneira a enviar informação de uma forma contínua ao córtex mantendo a sua actividade constante. Quando a FRA diminui a sua actividade consideravelmente, começa um processo de impulsos que vão promover a deaferentação. Esta indução do sono ocorre por vários motivos físicos e/ou psicológicos como por exemplo, o cansaço, o surgir da noite e do escuro e a acumulação de algumas substâncias no corpo.
Sono e Memória
Relação sono/memória
Um estudo realizado nos Estados Unidos com estudantes, publicado em 2008, comprova a existência de uma estreita relação entre o sono e a memória. O estudo consistia num pequeno teste de memória de pormenores de diferentes imagens e permitiu concluir que:
- O sono ajuda o cérebro a seleccionar as memórias a reter;
- O cérebro durante o sono realiza um processo selectivo e armazena apenas as memórias que considera mais salientes e emocionais.
Outros estudos mostraram que a privação do sono causa mais facilmente o esquecimento de informações associadas a emoções positivas do que às negativas. Isto explica porque é que a privação de sono pode desencadear depressões em algumas pessoas.
Neurotransmissores
O avanço das neurociências mostrou que o sono e a memória subsistem à base de neurotransmissores comuns; estando por isso intimamente relacionados.
Um neurotransmissor que actua em quase todo o Sistema Nervoso é a acetilcolina. A acetilcolina desempenha um papel essencial na manutenção dos padrões de sono normal, pois promove o sono REM e desencadeia acontecimentos envolvidos durante o acordar.
É durante o acordar que a informação proveniente do exterior é transferida do neocortex (figura II.3.3) para o hipocampo (figura II.3.4), sendo necessárias altas concentrações de acetilcolina, processando-se a codificação da memória numa primeira fase.
Durante o sono os níveis agora baixos de acetilcolina permitem que a informação seja transmitida do hipocampo para o neocortex, facilitando a memória declarativa, mantendo assim o fluxo de informação entre estas duas regiões cerebrais.
Existem dois tipos de memória:
- Memória declarativa, que corresponde à recordação consciente da informação baseada em factos.
- Memória não declarativa, que envolve recordações não conscientes, atitudes ou procedimentos condicionantes.
É importante referir que a acetilcolina não actua isoladamente, mas em conjunto com outros neurotransmissores como a serotonina e a dopamina e todos combinados produzem variações nas funções cognitivas e comportamentais.
Entende-se então a verdadeira importância que o sono tem na memória. Um bom sono (profundo e com tempo necessário) com um acordar sereno e natural é responsável por uma memória bem estruturada, bem codificada e bem armazenada. Também o sistema imunitário interfere na relação sono-memória. Quando uma infecção afecta uma pessoa, interfere no mecanismo regulador do hipotálamo, surgindo assim febre e sonolência. Estas alterações do sistema imunitário causam perturbações no sono e prejudicam a memória.